ACIDENTE DO TRABALHO E DOENÇA PROFISSIONAL Atestado médico

Data da publicação:

Acordãos na integra

TST - Ives Gandra Martins Filho



CLÁUSULA 44ª DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. ATESTADO MÉDICO – EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DO CID - VALIDADE.



TST - Informativo - 126

AÇÃO ANULATÓRIA - CLÁUSULA 44ª DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. ATESTADO MÉDICO – EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DO CID - VALIDADE.

1. O Tribunal a quo declarou a nulidade de cláusula normativa que previa a exigência do CID em atestados médicos apresentados pelos empregados ao empregador.

2. A necessidade de conhecimento da espécie de moléstia, entretanto, diz respeito justamente a saber se ela inviabiliza a modalidade laboral na qual se ativa o empregado, inexistindo violação constitucional a respeito.

3. Reforma-se, portanto, a decisão do TRT que declarou a nulidade da cláusula. Recurso ordinário provido. (TST-RO-480-32.2014.5.12.0000, Ives Gandra Martins Filho, DEJT04.03.16).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-480-32.2014.5.12.0000, em que é Recorrente SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANÇA PRIVADA DO ESTADO DE SANTA CATARINA e são Recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO e FEDERAÇÃO DOS VIGILANTES E EMPREGADOS EM EMPRESAS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, PRESTADORAS DE SERVIÇO, ASSEIO E CONSERVAÇÃO E DE TRANSPORTE DE VALORES DE SANTA CATARINA E OUTROS.

Trata-se de ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho pretendendo que seja declarada a nulidade das cláusulas 34ª, alíneas "a" e "b", e parágrafo terceiro, 44ª, e 51ª da convenção coletiva de trabalho 2014-2015, firmada entre o Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado De Santa Catarina - SINDESP/SC e a Federação dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância, Prestadoras de Serviço, Asseio e Conservação e de Transporte de Valores do Estado De Santa Catarina - FEVASC, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância e Transporte de Valores da Região Sul de Santa Catarina, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança de Tubarão e Região, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada de Chapecó e Região, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada de Jaraguá do Sul e Região - SINDIVIGILANTES/Jaraguá do Sul e Região, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada Prestadoras de Serviços no Município de Florianópolis - SINDVIG/Florianópolis, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância, Empresas Prestadoras de Serviços, Asseio e Conservação e de Transportes de Valores de Itajaí e Região - SINVAC/Itajaí, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância, Prestadoras de Serviços de Conservação e de Transportes de Valores em Joaçaba - SINVAC/Joaçaba, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança e Vigilância, Empresas Prestadoras de Serviço, Asseio e Conservação e de Transporte de Valores de Lages e Região - SINVAC/Lages, o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada de São Bento do Sul e Região - SINVAC/São Bento Do Sul, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada Prestadoras de Serviço de São José e Região - SINVAC/São José, e o Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Vigilância e Segurança Privada de Joinville - SINVITRAV Joinville.

Por meio de petição, o MPT noticiou a celebração de acordo com os réus em relação às cláusulas 34ª e 51ª da convenção coletiva de trabalho 2014-2015, que foi homologado por meio da decisão do ID fbd1253, com a extinção do processo com resolução do mérito quanto a tais cláusulas, na forma do art. 269, III, do CPC.

Em sessão de julgamento, o TRT julgou procedente o pedido da presente ação anulatória para declarar a nulidade da cláusula 44ª da convenção coletiva de trabalho.

Inconformado, o SINDICATO DAS EMPRESAS DE SEGURANÇA PRIVADA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – SINDESP/SC interpõe recurso ordinário, o qual foi recebido pelo TRT, conforme despacho de admissibilidade de fl. 609 (numeração eletrônica).

Foram apresentadas contrarrazões pelo MPT (fls. 611-616 numeração eletrônica).

Dispensada a remessa dos autos à PGT, nos termos do art. 83, § 2º, I, do RI do TST.

É o relatório.

V O T O

I) CONHECIMENTO

O recurso ordinário é tempestivo e estão preenchidos os demais pressupostos genéricos de admissibilidade do apelo.

Conheço.

II) MÉRITO

AÇÃO ANULATÓRIA. CLÁUSULA 44ª DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. ATESTADO MÉDICO – EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DO CID. VALIDADE

Corte Regional entendeu pela invalidade da Cláusula 44ª, nos seguintes termos:

"REGISTRO DO "CID" EM ATESTADOS MÉDICOS - EXIGÊNCIA INSTITUÍDA VIA CLÁUSULA NORMATIVA - NULIDADE - VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO TRABALHADOR E NORMAS REGULAMENTARES DA PROFISSÃO DE MÉDICO

O Ministério Público do Trabalho busca a declaração de nulidade da cláusula 44ª da convenção coletiva de trabalho 2014-2015, asseverando que a exigência do registro do CID nos atestados médicos configura ofensa ao disposto no art. 5º, X, da Constituição da República.

Argumenta que o Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução n. 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina (CFM), determina que o médico deve guardar sigilo acerca das informações de que tenha conhecimento no desempenho de suas funções, somente podendo revelar o fato por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente; e que a Resolução n. 1.658/2002 do CFM dispõe em seu art. 5º que "os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal". A respeito do tema, também invoca o disposto nas Resoluções n. 1.819/2007 e 1.488/1998 do CFM. Aponta que "a divulgação de diagnósticos médicos à revelia da vontade e do consentimento do paciente pode gerar situações lesivas ao indivíduo". Argumenta que a exigência do CID nos atestados médicos pode se prestar a fins abusivos e discriminatórios. Assevera que, nos termos da Resolução n. 1.658/2002 do CFM, o atestado médico goza de presunção de veracidade, devendo ser acatado, salvo no caso de divergência de entendimento por médico da instituição ou perito.

Em contestação, o Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de Santa Catarina - SINDESP/SC alega que a cláusula observa a legislação vigente, e não afronta os direitos individuais dos empregados. Assevera que o disposto na norma coletiva sobrepõe-se ao legislado, pela aplicação do princípio da norma mais favorável. Argumenta que a norma coletiva expressa os anseios das categorias, invocando o que estabelecem os arts. 7º, XXVI, e 8º, VI, da Constituição da República. Ressalta que a norma coletiva não pode ser analisada de forma isolada, porquanto prevê benefícios para as partes celebrantes. Argumenta que a exigência do CID nos atestados médicos busca possibilitar a tomada de medidas preventivas e providenciar eventual encaminhamento do empregado à Previdência Social. Afirma que o fato de constar o CID no atestado médico, por si só, não enseja violação a direito constitucional ou dano ao empregado. Tal somente ocorreria no caso de divulgação do diagnóstico. Aponta que a anotação do CID se dá no interesse do empregado, não havendo assim afronta às normas do CFM. Assevera que para requerer o benefício previdenciário o empregado deve informar o CID à Previdência Social.

O demais réus, na contestação do ID 39284f8, concordam com o pleito do Ministério Público do Trabalho.

Dispõe a cláusula 44ª da convenção coletiva de trabalho 2014-2015, objeto da presente ação anulatória:

CLÁUSULA QUADRAGÉSIMA QUARTA - ATESTADOS MÉDICOS Os atestados médicos apresentados pelos empregados deverão conter o CID - Código de Internacional de Doenças. [SIC]

No âmbito do Conselho Federal de Medicina (CFM), a emissão de atestado médico encontra-se disciplinada na Resolução n. 1.658/2002, a qual dispõe em seu art. 5º:

Art. 5º Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal.

Parágrafo único. No caso da solicitação de colocação de diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado.

Da mesma forma, o art. 1º da Resolução n. 1819/2007 do CFM veda o registro do CID no preenchimento das guias de consulta e de solicitação de exames médicos.

No caso, a restrição de registro do diagnóstico codificado nos atestados imposta aos médicos já constitui obstáculo para a exigência estabelecida na cláusula convencional impugnada. Para que constasse o registro, haveria a necessidade de solicitação por parte do empregado.

Tal restrição tem amparo no sigilo próprio da atuação do médico, com relação às informações que podem ensejar constrangimento ao paciente se divulgadas, como no caso de doenças que podem gerar um comportamento discriminatório por parte da sociedade em geral. Consoante previsto no caput do art. 73 do Código de Ética Médica (Resolução n. 1931/2009 do CFM), é vedado ao médico "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente".

E o sigilo em questão tem como fundamento primeiro o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, garantido no inc. X do art. 5º da Constituição da República:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Conforme sustentado pelo autor, a divulgação do diagnóstico da enfermidade sofrida pelo empregado pode gerar conduta discriminatória por parte do empregador ou dos demais empregados, como no caso de doenças estigmatizantes.

Assim, a cláusula convencional em discussão, ao exigir o registro do CID nos atestados médicos, viola o direito fundamental à intimidade da vida privada do empregado, sendo de todo inválida.

Nesse sentido, destaco os seguintes julgados deste Regional:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OFENSA A DIREITO CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO. A empresa que condiciona a validação dos atestados apresentados por seus empregados, ao apontamento do CID, incide em prática que ofende o direito de intimidade do indivíduo e atenta contra a dignidade da pessoa humana, vida privada, honra e imagem do empregado, violando respectivamente os preceitos enunciados no art. 1º, inciso III e art. 5º, inciso X, ambos da CF/88, além de infringir o dever de segredo médico (Resolução CFM n. 1.819/2007 e Código de Ética Médica, em seu art. 108). (5ª Câmara - RO 0004315-63.2013.5.12.0032 - Relator Des. José Ernesto Manzi - Publicado no TRTSC/DOE em 12-2-2015).

ATESTADOS MÉDICOS. VALIDADE. CONSIGNAÇÃO DO DIAGNÓSTICO MÉDICO. CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS (CID). É válido o atestado médico apresentado por empregado independentemente de apor a CID. O diagnóstico médico e sua publicidade encontram-se no âmbito restrito da relação paciente-médico, sendo vedada sua publicidade, sem que haja justa causa, imposição legal ou autorização do próprio interessado. (3ª Câmara - RO 01136-2009-035-12-00-1 - Relatora Des.ª Sandra Marcia Wambier - Publicado no TRTSC/DOE em 3-5-2010).

Ressalto que a ausência de anotação do CID no atestado médico não impede o empregador de questionar o afastamento do empregado, o que poderá ser feito por meio de seu corpo médico ou de perito, conforme previsto no § 3º do art. 6º da Resolução n. 1.658/2002 do CFM.

Cumpre salientar ainda que o fato de a cláusula convencional ser fruto de negociação coletiva, com observância do disposto nos arts. 7º, XXVI, e 8º, VI, da Constituição da República, não pode ensejar violação ao direito fundamental insculpido no inc. X do art. 5º da CF/88.

Em face do exposto, julgo procedente o pedido da presente ação anulatória para declarar a nulidade da cláusula 44ª da convenção coletiva de trabalho 2014-2015 firmada entre os réus.

Custas de R$ 200,00, pelos réus, calculadas sobre o valor atribuído à causa".

No recurso ordinário, o Sindicato Recorrente afirma, em síntese, que "a indicação da CID – classificação internacional de doenças – nos atestados médicos não afronta as Resoluções do Conselho Federal de Medicina muito menos princípios consagrados na Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma norma de natureza coletiva que visa a saúde e segurança do trabalhador" e que "se mostra um verdadeiro contrassenso desta justiça Especializada declarar a nulidade da cláusula convencional em questão, se para a justificativa de ausência em audiência é exigido que o atestado apresentado contenha informações específicas quanto a enfermidade da parte".

Com razão.

Ora, a necessidade de conhecimento da espécie de moléstia diz respeito justamente a saber se inviabiliza a modalidade laboral na qual se ativa o empregado. Com efeito, um problema ortopédico que não incapacite para o labor intelectual ou impeça a locomoção para o local de trabalho não justificaria o afastamento do trabalho. Inclusive, poder-se-ia cogitar de teletrabalho para essas hipóteses, através dos meios informáticos existentes e disponibilizados para o trabalhador.

No caso dos empregadores, a Súmula 122 do TST exige, para afastar revelia em audiência, que o atestado médico apresentado posteriormente indique expressamente condição de impossibilidade de locomoção do proposto no momento da audiência. Não parece lógico e justo que, no caso dos empregados, os atestados possam ser genéricos, sem qualquer indicação do motivo do afastamento.

Nesse sentido, não se pode anular cláusula firmada com a tutela sindical dos trabalhadores com base em resolução de conselho regulador de profissão, que não é lei, e em dispositivo constitucional de caráter genérico, garantidor do direito à intimidade, quando essa garantia constitucional deve ser aplicada de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já que o direito à intimidade não é absoluto.

Exemplo disso é a jurisprudência desta Corte em matéria de revista de bolsas, que reconhece a validade das cláusulas que preveem essa revista, ponderando os bens da intimidade e preservação do patrimônio da empresa, quando é óbvio que uma revista pode ser constrangedora, dependendo dos objetos portados na bolsa.

Ademais, não se nomina a doença no atestado, mas se coloca apenas o seu código, exigindo pesquisa sobre a sua natureza.

Pelo exposto, dou provimento ao Recurso Ordinário para julgar improcedente o pedido de anulação da Cláusula 44ª da Convenção Coletiva de Trabalho em apreço, reputando-a válida.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, pelo voto prevalente do Presidência, dar-lhe provimento para julgar improcedente o pedido de anulação da Cláusula 44ª da Convenção Coletiva de Trabalho, vencidos os Exmos. Ministros Maurício Godinho Delgado, Relator, Kátia Magalhães Arruda e Maria de Assis Calsing.

Brasília, 14 de dezembro de 2015.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Redator Designado

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