DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO Outros

Data da publicação:

Acordãos na integra

Marcos Neves Fava - TRT 02



Anuência tácita com ofensas sexistas a empregada enseja dano moral indenizável - DeJT 16/05/2019 Conforme relatório do Juiz Convocado Marcos Neves Fava em julgamento da 14ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região: “Dano moral. Ofensas sexistas. Anuência tácita. Concessão patronal anterior. Desrespeito autorizado tacitamente. Indenização devida. A arquiteta que atua em canteiro de obras e vê inscrições e pichações sexistas e ameaçadoras nas paredes da obra, sem que nenhuma providência haja sido tomada pelo empregador, sofre dano extrapatrimonial indenizável. A associação de sua imagem, em reunião pública, a personagem de ficção (o "Fofão") tem caráter ofensivo e vilipendia o direito ao nome, gerando, de novo, dano indenizável. O porte econômico da agressora deve ser observado na fixação o quantum indenizatório. Indenização majorada. Recurso provido, no particular.” (PJe TRT/SP 1000530-88.2018.5.02.0029) (fonte: Secretaria de Gestão Jurisprudencial, Normativa e Documental)



PROCESSO nº 1000530-88.2018.5.02.0029 (RO)

RECORRENTES: RENATA RODRIGUES NASCIMENTO NUNES e  GAFISA S/A.

RECORRIDOS: RENATA RODRIGUES NASCIMENTO NUNES  e  GAFISA S/A.

RELATOR: MARCOS NEVES FAVA

JUIZ PROLATOR DA SENTENÇA: JOSLEY SOARES COSTA

EMENTA

DANO MORAL. OFENSAS SEXISTAS. ANUÊNCIA TÁCITA. CONCESSÃO PATRONAL ANTERIOR. DESRESPEITO AUTORIZADO TACITAMENTE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A arquiteta que atua em canteiro de obras e vê inscrições e pichações sexistas e ameaçadoras nas paredes da obra, sem que nenhuma providência haja sido tomada pelo empregador, sofre dano extrapatrimonial indenizável. A associação de sua imagem, em reunião pública, a personagem de ficção (o "Fofão") tem caráter ofensivo e vilipendia o direito ao nome, gerando, de novo, dano indenizável. O porte econômico da agressora deve ser observado na fixação o quantumindenizatório. Indenização majorada. Recurso provido, no particular. (TRT-02-1000530-88.2018.5.02.0029, Marcos Neves Fava, DEJT 16.05.19).

RELATÓRIO

Da respeitável sentença da lavra do meritíssimo juiz substituto da vigésima nona vara do trabalho de São Paulo, JOSLEY SOARES COSTA, recorrem as partes.

A reclamante deseja rever o julgado quanto: às horas extras não deferidas; ao aumento do valor da indenização por danos morais; e, consequentemente, ao rearbitramento da honorária sucumbencial.

Contrarrazões da GAFISA, f.712, apresentadas oportunamente.

A reclamada GAFISA busca nulidade do julgado, por cerceamento e por negativa de prestação jurisdicional, e, se ultrapassadas as barreiras mencionadas, reversão da procedência parcial à improcedência. Diz que os fatos da suposta ofensa encontram-se prescritos e que o valor da indenização é desproporcional.

A reclamante apresentou contrarrazões, oportunamente, f 750.

Houve adequado recolhimento de custas e de depósito recursal.

A hipótese dispensa prévia oitiva do MPT.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Preliminar de deserção - contrarrazões da GAFISA.

Esquecendo-se de que se encontra em juízo, brinca a recorrente com a seriedade dos atos processuais que a Lei, em obediência à Constituição, faculta-lhe praticar.

Não há linha sequer do julgado condenando a reclamante a pagar CUSTAS. A preliminar indica, literalmente: "No entanto, quando da interposição de seu Recurso Ordinário, deixou o recorrente de recolher as custas processuais, requisito essencial para a admissibilidade de seu recurso" (f. 714), o que torna a preliminar ato de violência contra o dever de lealmente litigar.

Observe-se que sequer a sofisticada discussão sobre eventual dever de a recorrente pagar depósito recursal, na medida em que condenada a quitar honorários da parte adversa emerge da preliminar.

Preceitua, sabemos todos, o artigo 790, da CLT, estabelece o rol de práticas indesejáveis, diga-se melhor, proibidas à parte litigante, quando atua em juízo, lista da qual vilipendiou a recorrente GAFISA as hipóteses dos incisos III, V e VI.

Pune-se a parte com multa de 3% e indenização de igual montante, ambas voltadas à parte reclamante e calculadas sobre o valor atualizado da causa.

Conhecimento

Os recursos são tempestivos, adequados, firmados por profissional habilitado, dispensado de preparo, o da reclamante, e adequadamente preparado, o da reclamada.

Presentes, dessa forma, os requisitos exigíveis pela Lei, impõe-se o conhecimento de ambos os recursos.

MÉRITO

Recursos das partes

RECURSO DA EMPREGADA.

1) Jornada - cargo em confiança.

A reclamante busca o pagamento de horas extras, pedido contra o qual a defesa arguiu exercício de cargo sob a exceção do artigo 62, II, da CLT.

Em que pese uma frase solta no início do segundo capítulo da defesa sobre o tema, 'impugnando' a jornada alegada, em nenhuma linha desse arrazoado chega-se à conclusão da jornada que a recorrida indica ter a recorrente exercido. É dizer: o único fundamento para ofuscar a pretensão exordial, coincide com o exercício de cargo, na exceção do artigo 62, II, da Consolidação.

Inicie-se, então, pelo começo: o artigo em análise exige o pagamento de gratificação específica e expressa para compensar a retirada do capítulo da CLT que trata de um dos institutos mais caros ao trabalho subordinado, que é o controle de jornada.

A lei institui, salvo melhor juízo, condicionante insuperável, para qualificação do cargo para esse perfil raríssimo: o pagamento de gratificação não inferior a quarenta por cento do cargo ordinário, como se lê no parágrafo único, do artigo 62, da CLT.

Não apenas não há pagamento de gratificação de função, como não existem demonstrados nos autos os salários dos supostos subordinados, para apreciação da existência de distinção efetiva.

Adite-se, por fim, que a recorrida recebia em torno do salário legal de sua profissão (Lei 4950-A), tudo a indicar a inexistência de condição diferenciada, no plano da remuneração, para exclusão do sistema de controle de horas.

Isso assentado, não existindo alegação de jornada diversa, como já assentado, pois que a 'impugnação' genérica, depois de afirmar e reafirmar que não controlava o expediente da reclamante, não se sustenta como oposição ao propalado na exordial, tomo por verdadeira a jornada ali alegada.

Dela defluem devidas as horas extras, com adicional de convenção, apurando-se o salário hora pelo divisor 220, com incidência devida à natureza do título em DSR, férias abonadas, décimo terceiro, FGTS, 40% e aviso prévio indenizado.

Não há título a ser compensado.

Oficie-se a SRT, para aplicação da multa cabível, após o trânsito em julgado.

Reforma-se.

2) Indenização por danos morais - julgamento conjunto.

Dadas as confluências entre os recursos das partes sobre o tema epigrafado, será oportunamente analisado, em conjunto.

RECURSO DO EMPREGADOR.

1) Preliminar: cerceamento de defesa.

O indeferimento da oitiva da parte adversa, no processo do trabalho, não importa nulidade absoluta, na medida em que a vigente redação do artigo 848, da CLT, prevê cuidar-se de faculdade do juiz, não direito dos litigantes.

Demais disso, preclui a possibilidade de arguir e demonstrar o prejuízo do indeferimento, com a formulação de razões finais por escrito, sem acusá-la, nos termos do artigo 795, da CLT.

Rejeita-se.

2) Preliminar: negativa de prestação jurisdicional.

Julgado o tema, ainda que sem enfrentamento de todas as alegações das partes, a devolução in totum das questões ao Tribunal faz ultrapassar eventual negativa de prestação jurisdicional, configurada nos termos da arguição.

Não há prejuízo à parte, se pode, nada obstante o silêncio do juízo a quo, ver analisados seus argumentos em grau de revisão.

Rejeita-se.

3) Matéria comum aos recursos - dano moral.

As partes não se satisfazem com a sentença, no particular.

A reclamante pretende ampliação do valor indenizatório e afastamento da alegada prescrição. Já a reclamada pretende a decretação de prescrição total e, sucessivamente, a improcedência da indenização ou a redução de seu valor.

(3.1.) Prescrição do pedido de indenização por danos morais.

Com a máxima vênia ao que decidiu a origem, o ato ocorrido em 2010 gerou projeções para o restante do período contratual. De um lado, pela associação da imagem da reclamante ao 'fofão', personagem caricato e, por isso, ao humano, pejorativo. De outro lado, porque o desrespeito à integridade da reclamante patrocinou, como se comprovou depois, a manutenção do desrespeito à integridade da autora.

Tempos atuais vivemos, em que isso ecoa.

O presidente da República noticia que se encontrar dois homens se beijando baterá neles; que se tivesse um filho gay o preferia morto; que falhou ao gerar uma mulher; e a turba, patrocinada por essa perspectiva obtusa de mundo, agride mais mulheres e homoafetivos. Anotem-se, no tema, as reportagens nacional e internacional sobre o assunto, em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/mais-da-metade-dos-lgbt-diz-ter-sofrido-violencia-desde-as-eleicoes.shtml e http://br.rfi.fr/brasil/20181011-para-le-monde-triunfo-de-bolsonaro-desencadeia-violencia-homofobica-no-brasil, respectivamente.

A empresa, no início da pactuação da reclamante, a expõe, apelidando-a, com o que fragiliza qualquer argumento em prol de seu respeito próprio, do dever de ser observada sua condição de mulher e dos limites profissionais a serem necessariamente seguidos.

O ato projeta-se para além da data do evento, não havendo falar em prescrição total.

(3.2) Dano - "fofão".

A reclamante, em reunião festiva e pública, patrocinada e organizada pelo empregador, teve sua imagem associada à de personagem de televisão, o "Fofão".

A associação, por imagem (constam dos autos, especificamente de f. 704), foi a um alienígena, bochechudo e que, no início, sequer falava a língua local. Depois, tornou-se ícone da criançada dos anos oitenta, com a proliferação de discos, figuras, bonecos, camisetas com sua cara etc.

A questão não está, sequer, na qualidade da personagem, mas no direito de o empregador patrocinar a aplicação de um APELIDO à reclamante. O nome é parte da personalidade e se encontra, na Lei Civil, protegidíssimo. Basta evocar o artigo 16, daquele Código, que preceitua "Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome."

Ao dissociar-se o direito ao nome da reclamante e patrocinar-lhe um apelido, desrespeitou-a o empregador, por seus prepostos, e, ainda, incentivou o desrespeito dos demais.

O dano existe e deve ser indenizado.

Adianto, o que se repetirá em tópico próprio: o empregado não concede ao empregador, simplesmente porque se manteve no emprego, perdão tácito.

Mister que para confirmar-se tal ocorrência, que isenta de responsabilidade civil o agressor, outro elemento objetivo ocorra. Simplesmente não reagir, porque disso dependente a manutenção no emprego, não configura perdão tácito.

Antes da famigerada reforma trabalhista, sequer disso se cogitava, na "justa causa" patronal, a "rescisão indireta" do artigo 483, da CLT. Nunca se exigiu do empregado, na justa causa, o que do empregador sempre se exigia, a imediatidade. Isso porque, diferentemente do empregador, que pode substituir ou eliminar a 'mão de obra', o empregado não pode substituir ou eliminar sua necessidade pelo emprego.

Após a "reforma", diante da expressão literal do artigo 223-G, mister que se considere, ao menos em tese, o 'perdão tácito', para o que, repito, necessário mais do que o decurso de prazo empregado.

Tolerar não significa perdoar.

Manter a subsistência não dá opção ao empregado, ainda que ofendido em sua honra gravemente.

O dano deve ser indenizado e não se confunde com o que a respeitável sentença já reconheceu.

Pela ofensa desencadeada na reunião festiva com a figura do "fofão", arbitro indenização que, à luz da lei então vigente, pode equivaler a cento e dez mil reais.

Reforma-se.

(3.3.) Dano moral - obscenidades desenhadas na obra.

A reclamante foi arquiteta de uma das mais prestigiosas e ricas empresas a indústria da construção civil do país, a GAFISA. Nessa condição, dirigia parte do empreendimento numa construção importante.

Nas paredes da construção, registravam-se ofensas sexistas à reclamante. As fotografias juntadas aos autos falam mais claramente do que a possibilidade de sua transcrição em letras.

Leiam-se as imagens de f. 261 a 279.

O ato é gravíssimo, porque ofende princípio constitucional muito valioso, que é o da isonomia; o ambiente de trabalho agressivo é inóspito e, assim, não oferece segurança ou higidez; e a posição de fragilidade que enfrenta uma mulher, em cargo de comando, quando seus subordinados lançam-se à aventura de lavrar em paredes seus desejos e ameaças obscenas, evidencia-se com enorme gravidade.

Não se demonstrou um único ato da empregadora em mitigar as ofensas ou de procurar punir os ofensores, pelo que nesse quesito, nada há a minorar a atitude patronal.

A permanência na relação, como já visto, não importa perdão tácito, senão revela necessidade do emprego. Mandar apagar, como reporta a testemunha, não constitui ato para inibir ou punir quem se tenha atrevido à prática da violência.

O porte econômico da agressora ostenta-se portentoso. GAFISA, no ano do encerramento do contrato da reclamante, movimentou caixa operacional superior a cento e cinquenta milhões (https://www.google.com/search?q=resultados+da+gafisa+em+2016&rlz=1C1GCEU_pt-BRBR844BR844&oq=resultados+da+gafisa+em+2016&aqs=chrome..69i57.3318j1j4&sourceid=chrome&ie=UTF-8) e conta com capital social superior a 2.5 bilhões de reais.

Tudo sopesado, a indenização por permitir atitudes sexistas e ameaças de conteúdo sexual à reclamante, a reclamada deve-lhe indenização superior ao valor entabulado em primeiro grau.

Arbitro-a, do exposto, em R$ 280.000,00 (duzentos e oitenta mil reais), atualizáveis desta data, com juros desde o ajuizamento, nos termos da jurisprudência estabilizada do TST.

Reforma-se.

HONORÁRIOS

Da reversão do julgado, em parte, resulta procedência integral do pedido, pelo que apenas a reclamada deve honorários sucumbenciais, como já arbitrados.

Item de recurso

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador FERNANDO ÁLVARO PINHEIRO.

Tomaram parte do julgamento os Exmos. Srs. Magistrados: MARCOS NEVES FAVA, DAVI FURTADO MEIRELLES e FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO.

Relator: o Exmo. Sr. Juiz MARCOS NEVES FAVA.

Revisor: o Exmo. Sr. Desembargador DAVI FURTADO MEIRELLES.

Sustentação Oral: Dra. Daniela Matos Simão.

Do exposto, ACORDAM os magistrados da 14ª turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região em: por unanimidade de votos, CONHECER os recursos, NEGAR PROVIMENTO ao da empregadora, aplicando-lhe punição pelo desrespeito ao dever de lealmente litigar e indenização à parte contrária, e DAR PROVIMENTO ao da reclamante, para aditar à condenação horas extras e reflexos, condenar a reclamada a pagar indenização pelos danos morais por associação da imagem da reclamante à de personagem de ficção e agravar a indenização por danos morais decorrentes de ofensas sexistas, tudo nos termos da fundamentação. Condenação estimada em R$ 400.000,00, com custas, pela sucumbente, de R$ 8.000,00. Oficie-se como determinado.

MARCOS NEVES FAVA

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade