INFORMATIVO - TST 2019 - 192

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TST - Katia Magalhães Arruda



2019.Informativo - 192. Incidente de Recursos de Revista Repetitivos. “Tema nº 0014 – Direito ao pagamento do intervalo intrajornada. Concessão parcial. Aplicação analógica do artigo 58, § 1º, da CLT.”



INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. REDUÇÃO ÍNFIMA DO INTERVALO INTRAJORNADA DE QUE TRATA O ART. 71, CAPUT, DA CLT. DEFINIÇÃO E EFEITOS. INCIDENTE SUSCITADO RELATIVAMENTE A CASOS ANTERIORES À LEI N.º 13.467/2017, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 71, § 4.º, DA CLT.

Neste Incidente de Recursos Repetitivos, que trata de casos anteriores à Lei nº 13.467, de 2017, que deu nova redação ao art. 71, § 4.º, da CLT fixa-se a seguinte tese jurídica: "A redução eventual  e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência."

PROCESSOS AFETADOS TST-RR-1384-61.2012.5.04.0512 E TST-ARR-864-62.2013.5.09.0016. Recursos de revista conhecidos e parcialmente providos, a fim de aplicar a tese firmada neste Incidente de Recursos Repetitivos. (TST-IRR-1384-61.2012.5.04.0512Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 10.05.19)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Julgamento de Recurso de Revista e de Embargos Repetitivos n° TST-IRR-1384-61.2012.5.04.0512, em que é Suscitante SUBSEÇÃO I ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Recorrente JOSÉ HÉLIO DE SOUZA PAYVA e Suscitado(a) TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO e Recorrido M. DIAS BRANCO S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALIMENTOS e AMICUS CURIAE MUNICÍPIO DE SALVADOR,  SINDICATO BRASILIENSE DE HOSPITAIS, CASAS DE SAÚDE E CLINICAS - SBH,  ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE RESTAURANTES - ANR,  SINDICATO DA INDUSTRIA DA ENERGIA NO ESTADO DE SAO PAULO - SINDIENERGIA,  CONFEDERACAO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO-CONSIF,  CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE - CNT e CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI.

A sétima Turma desta Corte, em sessão realizada em 7/12/2016, suscitou Incidente de Recursos Repetitivos quando do julgamento do RR-1384-61.2012.5.04.0512, sobre o tema "direito ao pagamento do intervalo intrajornada – concessão parcial – aplicação analógica do artigo 58, § 1.º, da CLT", conforme proposta às fls. 548/555, das quais transcrevemos a seguinte fundamentação:

O presente caso envolve discussão acerca do direito ao pagamento do intervalo intrajornada irregularmente concedido, quando são subtraídos apenas poucos minutos da duração mínima fixada em lei.

Além de ser possível atribuírem-se diferentes interpretações à lei, ora para se recusar qualquer flexibilização, impondo o pagamento integral da pausa, ainda que usufruída com apenas alguns minutos a menos; ora para se ponderar a razoabilidade da subtração ínfima e eventual; ou ainda, para se criar critério objetivo que valide determinada redução, é certo que a questão tem sido objeto de inúmeros processos e até já ensejou incidente de uniformização de jurisprudência, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região (...)

Sob a ótica da possibilidade de aplicação analógica do artigo 58, § 1º, da CLT à duração do intervalo, especialmente à luz do que dispõe a Súmula n.º 437 do TST, a divergência de julgados é patente entre as Turmas desta Corte, conforme ilustram os precedentes a seguir (...)

Como se vê, a pacificação da questão envolve o debate acerca de conceitos de conteúdo indefinido, como, por exemplo, o que é redução episódica ou eventual; quando se considera relevante, ou não, o tempo suprimido do intervalo; se o parâmetro de 10 minutos, utilizado pelo legislador como limite de tolerância para uma jornada completa poderia ser simplesmente transportado para a duração da pausa destinada ao repouso e alimentação. A discussão ampla e embasada sobre esses pontos e sobre as demais nuances da matéria é imprescindível para a pacificação dos julgados, em âmbito nacional.

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, conforme certidão à fl. 556, em sessão realizada em 20/4/2017, decidiu por unanimidade acolher a proposta de Incidente de Recursos Repetitivos aprovada pela Sétima Turma deste Tribunal e, por maioria, afetar ao Tribunal Pleno a questão jurídica relativa ao tema "Intervalo intrajornada - concessão parcial - aplicação analógica do artigo 58, § 1º, da CLT".

Sorteada relatora, proferi despacho às fls. 560/563, no qual identifiquei a questão a ser submetida a julgamento, conforme art. 5.º, I, da Instrução Normativa n.º 38/2015 do TST e art. 284, I, do RITST, nos seguintes termos:

"É possível considerar regular a concessão do intervalo intrajornada quando houver redução ínfima de sua duração? Para o fim de definir tal conceito, cabe utilizar a regra prevista no art. 58, § 1.º, da CLT ou outro parâmetro objetivo? Caso se considere irregular a redução ínfima do intervalo intrajornada, qual a consequência jurídica dessa irregularidade?"

Também foram determinadas diversas providências, nos termos da CLT, do RITST e da Instrução Normativa n.º 38/2015 do TST, dentre as quais destaco a suspensão de todos os recursos de revista e de embargos em tramitação neste Tribunal que versem sobre o tema; a expedição de ofícios aos presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho, a fim de que prestassem as informações que julgassem cabíveis à análise da questão jurídica, com a remessa de até dois recursos efetivamente representativos da controvérsia; expedição de edital com prazo de 15 (quinze) dias, para manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades interessados na controvérsia.

O edital, cujo texto se encontra à fl. 565, foi divulgado em 4 de julho de 2017, considerado publicado em 5 de julho de 2017, conforme certidão à fl. 592.

Foram expedidos ofícios aos Tribunais Regionais, cujas cópias se encontram nos autos: 1.ª Região (fl. 566); 2.ª Região (fl. 567); 3.ª Região (568); 4.ª Região (fl. 569); 5.ª Região (fl. 570); 6.ª Região (fl. 571); 7.ª Região (fl. 572); 8.ª Região (fl. 573); 9ª Região (fl. 574); 10ª Região (fl. 575); 11ª Região (fl. 576); 12ª Região (577); 13ª Região (fl. 578); 14ª Região (fl. 579); 15.ª Região (fl. 580); 16.ª Região (fl. 581); 17ª Região (fl. 582); 18.ª Região (fl. 583); 19ª Região (fl. 584); 20ª Região (fl. 585); 21ª Região (fl. 586); 22ª Região (fl. 587); 23ª Região (fl. 589); 24ª Região (fl. 588).

Foram enviados ofícios aos Exmos. Srs. Ministros desta Corte, cujas cópias se encontram às fls. 593/618.

Responderam aos ofícios encaminhados aos Tribunais Regionais:

. O TRT da 1.ª Região, prestando informações sobre a Tese Prevalecente n.º 6, firmada em IUJ instaurado no âmbito daquela Corte, e esclarecendo que não havia, até aquele momento, recursos de revista tratando do tema referente ao Incidente de Recursos Repetitivos instaurado nesta Corte (fls. 674/676, cópia às fls. 692/696).

. O TRT da 2.ª Região, indicando o recurso de revista 0000852-83.2014.5.02.0444 como representativo da controvérsia, cuja cópia se encontra às fls. 964/996 (fl. 962).

. O TRT da 3.ª Região, prestando informações acerca da revisão da Súmula n.º 27 daquela Corte, mencionando processos em que se discutiu  matéria relacionada a este Incidente de Recursos Repetitivos, bem como encaminhando suas cópias. Esclareceu que o envio do processo escolhido acerca da controvérsia, 0011520-80-2015-5-03-0079, seria realizado pelo sistema eRemessa (fls. 737/779). 

. TRT da 4.ª Região, encaminhando dois recursos que considerou representativos da controvérsia (0020233-83.2013.5.04.0015 e 0020581-46.2014.5.04.0022), além de informações acerca das Súmulas n.ºs 63 e 79 daquela Corte (fls. 619/622).

. O TRT da 5.ª Região, prestando informações e indicando como representativo da controvérsia o Processo n.º 000181-35.2015.5.05.0511 (fls. 682/688, cópia às fls. 702/706).

. O TRT da 6.ª Região, informando que, até aquele momento, inexistiam recursos de revista passíveis de conhecimento que tratassem do tema objeto do presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 670).

. O TRT da 8.ª Região, informando que, até aquele momento, inexistiam recursos de revista representativos da controvérsia em debate no presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 951).

. O TRT da 9.ª Região, prestando informações acerca da consagração da Tese Jurídica Prevalecente n.º 4 daquela Corte, e esclarecendo que não tramitam no âmbito daquele Tribunal recursos de revista com abrangente argumentação e discussão a respeito da matéria em debate neste Incidente de Recursos Repetitivos (fls. 935/937).

. O TRT da 11.ª Região, informando que, até aquele momento, inexistiam recursos de revista tramitando naquela Corte que tratassem do tema objeto do presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 733).

. O TRT da 12.ª Região, informando que não havia, até aquele momento, recurso de revista pendente de apreciação ou remessa ao TST, versando sobre a matéria em discussão neste Incidente de Recursos Repetitivos, e encaminhando pesquisa jurisprudencial acerca do tema, com vistas ao fornecimento de subsídios (fls. 1004/1010).

. O TRT da 13.ª Região, informando que, sobre a matéria em debate neste Incidente de Recursos Repetitivos, foi editada a Súmula Regional n.º 7, e que não há processos naquela Corte em que se discuta a matéria em debate neste incidente (fls. 948/950, com cópia às fls. 1016/1018).

. O TRT da 14.ª Região, informando que, até aquele momento, inexistiam recursos de revista tramitando naquela Corte que tratassem do tema objeto do presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 625, cópia às fls. 660 e 698).

. O TRT da 15.ª Região, indicando um processo representativo da controvérsia em debate nestes autos, que recebeu o número 0012159-71.2015.5.15.0077 (fl. 943, cópia à fl. 1030). 

. TRT da 18ª Região, às fls. 629/635, informando que no âmbito daquele Tribunal Regional, as Turmas convergem quanto à aplicação analógica do art. 58, § 1.º, da CLT e da Súmula n.º 366 do TST ao intervalo intrajornada. Indicou dois processos que considerou relevantes e  representativos da controvérsia (TRT-RO-0012661-16.2013.5.18.0103 e TRT-R0-0010177-57.2015.5.18.0103, cujos autos já estariam nesta Corte, distribuídos aos Exmos. Srs. Ministros Márcio Eurico Vitral Amaro e Lélio Bentes Corrêa).

. O TRT da 20ª Região, informando que, até aquele momento, as Turmas daquela Corte não haviam se manifestado sobre a matéria, e inexistiam recursos de revista pendentes de admissibilidade acerca do tema objeto do presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 700).

. O TRT da 21ª Região, informando que não existem atualmente naquela Corte recursos ativos ou sobrestados acerca da matéria de que trata este Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 941).

. O TRT da 22ª Região, informando o envio de um recurso representativo da controvérsia, RO-0080953-17.2014.5.22.0003, a ser remetido pelo eRemessa (fl. 1002, cópia à fl. 1020).

. O TRT da 23.ª Região, informando que, até aquele momento, inexistiam recursos de revista tramitando naquela Corte que tratassem do tema objeto do presente Incidente de Recursos Repetitivos (fl. 666).

Apresentaram petições, buscando sua admissão na qualidade de amici curiae:

. Município do Salvador (fls. 639/658).

. Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas, postulando prazo para apresentar razões de natureza técnica e econômica acerca da matéria em debate (fl. 731). Requereu a juntada de procuração e substabelecimentos (fls. 1022/1029). Apresentou subsídios (fls. 1092/1103).

. ANR - Associação Nacional de Restaurantes (fls. 783/813).

. Sindicato da Indústria da Energia no Estado de São Paulo – SINDIENERGIA (fls. 815/847).

. Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF (fls. 849/933).

. Confederação Nacional do Transporte – CNT (fls. 953/960).

. Confederação Nacional da Indústria – CNI, em 15/8/2017 (fls. 1037/1081).

Apresentaram petição, na condição de pessoas interessadas na discussão objeto deste Incidente de Recursos Repetitivos, a Dra. Isabel Cristina Arriel de Queiroz, advogada, professora e mestre de Direito Constitucional pela PUC-SP, e o Dr. Rui Manoel Príncipe, advogado e professor pós-graduado em Docência (fls. 708/729).

Às fls. 1034/1035, a SETPOESDC – TST certificou a publicação do edital e a remessa de ofícios, conforme determinação  desta relatora, bem como relacionou as respostas e manifestações constantes dos autos. Consignou, igualmente, que não foram registradas respostas ao OFÍCIO CIRCULAR GMKA N.º 014/2017 relativas aos Tribunais Regionais do Trabalho da 7ª, 10ª, 16ª, 17ª, 19ª e 24ª Regiões.

Parecer do Ministério Público do Trabalho quanto à controvérsia jurídica destes autos, às fls. 1083/1091, nos seguintes termos: a concessão do intervalo intrajornada inferior ao mínimo legal deve ser considerada irregular, ainda que a redução da duração seja de poucos minutos; é inadequada a aplicação analógica do artigo 58, § 1.º, da CLT ou de qualquer outro critério que mitigue a duração do intervalo intrajornada; a consequência jurídica da concessão irregular do intervalo intrajornada é o pagamento total do período, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho e reflexos. Em suma, opina pela impossibilidade de qualquer mitigação do período mínimo do intervalo intrajornada para repouso e alimentação.

Por meio do despacho às fls. 1106/1119, foram admitidas como amici curiae apenas as pessoas jurídicas que manifestaram essa pretensão nos autos, mas não as pessoas naturais. Por outro lado, foram determinadas as seguintes providências, dentre outras:

. Reautuação do processo, tendo em vista a admissão, como amici curiae, das pessoas jurídicas que apresentaram essa postulação nestes autos.

. Tramitação dos processos TST-RR-20581- 46.2014.5.04.0022 e TST-ARR-864-62.2013.5.09.0016, em conjunto com este processo TST-IRR-1384-61.2012.5.04.0512, em decorrência de sua afetação.

. Manutenção da juntada da petição apresentada pelos Drs. Isabel Cristina Arriel de Queiroz e Rui Manoel Príncipe, como subsídio para julgamento.

. Intimação dos reclamantes e reclamados nos processos afetados para julgamento pelo Tribunal Pleno, com a concessão de prazo para manifestação acerca dos argumentos apresentados pelos amici curiae.

. Desentranhamento do Ofício OF.ASSPRE/TRT24/N.º09/2017, enviado pelo Presidente do TRT da 24.ª Região, Desembargador Nicanor de Araújo Lima, que se encontrava juntado nos autos do Processo AIRR-25003-59.2015.5.24.0091, e a sua juntada neste Incidente de Recursos Repetitivos, e que agora se encontra às fls. 1120/1121 destes autos.

Foram cumpridas todas as determinações desta relatora, conforme certidão às fls. 1127/1128.

Apresentaram manifestações:

. M DIAS BRANCO S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ALIMENTOS, reclamada no processo RR-1384-61.2012.5.04.0512 (fls. 1129/1131);

. CRUZ VERMELHA BRASILEIRA – FILIAL DO ESTADO DO PARANÁ, reclamada no Processo A-RR-864-62.2013.5.09.0016 (fl. 1133).

As demais partes nos processos RR-20581- 46.2014.5.04.0022, ARR-864-62.2013.5.09.0016, e RR-1384-61.2012.5.04.0512 não se manifestaram.

É o relatório.

V O T O

INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. REDUÇÃO ÍNFIMA DO INTERVALO INTRAJORNADA DE QUE TRATA O ART. 71, CAPUT, DA CLT. DEFINIÇÃO E EFEITOS.

1 – DA EXPOSIÇÃO DO OBJETO DO INCIDENTE

A Lei n.º 8.923, de 27 de julho de 1994, acrescentou parágrafo ao art. 71 da CLT, prescrevendo sanção a ser aplicada em caso de descumprimento ao disposto no caput do referido artigo, ficando com a seguinte redação (anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 13.467/2017):

Art. 71 - Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.

(...)

§ 4º Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo cinquenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Cumprindo seu papel de uniformização da jurisprudência trabalhista, esta Corte editou duas orientações jurisprudenciais que tratam especificamente desse dispositivo:

307. INTERVALO INTRAJORNADA (PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO). NÃO CONCESSÃO OU CONCESSÃO PARCIAL. LEI Nº 8.923/94 (cancelada em decorrência da aglutinação ao item I da Súmula nº 437) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

 Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT).

354. INTERVALO INTRAJORNADA. ART. 71, § 4º, DA CLT. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL (cancelada em decorrência da conversão no item III da Súmula nº 437) – Res. 186/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

 Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.

Posteriormente, o TST editou a Súmula n.º 437, que aglutinou as Orientações Jurisprudenciais acima mencionadas, além de outras que tratavam dos intervalos para repouso e alimentação, e tem o seguinte teor:

INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

 I - Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.

 II - É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.

 III - Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais.

 IV - Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.

Ocorre que tem sido objeto de controvérsia o item I dessa Súmula, quanto ao pagamento integral, como extra, do tempo destinado ao intervalo intrajornada de que trata o art. 71, caput, da CLT, nos casos em que o lapso de tempo suprimido não exceda poucos minutos.

Foram identificadas as seguintes teses sobre a matéria:

1. Aplicação do item I da Súmula n.º 437 do TST,  determinando-se o pagamento de uma hora integral, com adicional de horas extras e reflexos, mesmo no caso de a supressão ter sido de poucos minutos. Menciono o Tribunal Regional da 9ª Região, que adota esse entendimento.

2. Pagamento apenas dos minutos faltantes do intervalo intrajornada, quando esses não somarem mais que 10 minutos. Ultrapassado esse limite, será devido o pagamento integral da hora, com acréscimo do adicional de 50%, nos termos da Súmula n.º 437, I, do TST. Cito exemplificativamente a decisão proferida pela 6.ª Turma do TRT da 4.ª Região, nestes autos de Incidente de Recursos Repetitivos.

3. Finalmente, aplicação analógica do art. 58, § 1.º, da CLT e da Súmula n.º 366 do TST ao intervalo intrajornada, considerando que as variações de até 5 minutos no início e/ou no término do intervalo, até o limite de 10 minutos diários, serão desconsiderados, mas, quando for ultrapassado esse limite, todo o tempo será considerado como extra. Adota esse entendimento, por exemplo, o TRT da 18º Região, conforme informações prestadas nestes autos pela sua Presidência.

O art. 58, § 1.º, da CLT, cuja aplicação aos casos de redução do intervalo intrajornada tem sido defendida, dispõe:

Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

§ 1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

No âmbito desta Corte, temos julgados afastando a possibilidade de aplicação analógica desse dispositivo (por exemplo, no RR-64-98.2014.5.04.0384, 3.ª Turma, Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, DEJT 12/5/2017) e outros considerando cabível sua aplicação (por exemplo, no ARR-10166-70.2015.5.12.0046, 5.ª Turma, Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, DEJT 5/5/2017).

Essa divergência de entendimentos, que tem gerado a interposição de diversos recursos para esta Corte, impôs a instauração deste Incidente de Recursos Repetitivos, nos termos dos arts. 896-C, caput, da CLT e 281, caput, do RITST, uma vez que esse incidente tem como finalidade precípua produzir um precedente obrigatório, que garanta a segurança jurídica e a isonomia entre os jurisdicionados, bem como agilidade e economia nos julgamentos.

Tendo sido sorteada relatora no âmbito deste Tribunal Pleno, identifiquei as seguintes questões a serem submetidas a julgamento, conforme art. 284, I, do RITST:

"É possível considerar regular a concessão do intervalo intrajornada quando houver redução ínfima de sua duração? Para o fim de definir tal conceito, cabe utilizar a regra prevista no art. 58, § 1.º, da CLT ou outro parâmetro objetivo? Caso se considere irregular a redução ínfima do intervalo intrajornada, qual a consequência jurídica dessa irregularidade?"

Cabem aqui três observações importantes.

Primeiro, não estamos aqui nos referindo a eventual acordo, individual ou coletivo, ou mesmo imposição patronal de fruição a menor do intervalo, ainda que por poucos minutos. O incidente refere-se apenas àqueles casos em que, na instrução processual, constate-se que a variação da marcação é atribuída a situações corriqueiras da dinâmica laboral e da própria vida, como o tempo de percurso entre o posto de trabalho e o relógio de ponto, o tempo em que se espera o colega logo à frente marcar seu ponto, o tempo despendido para cumprimentar um colega que se encontrou no meio do caminho etc.

Tais situações revelaram-se nas marcações dos cartões de ponto juntados nos processos afetados a este Tribunal Pleno, podendo ocorrer tanto a redução ínfima quanto a majoração ínfima, conforme os seguintes exemplos:

No RR-1384-61.2012.5.04.0512 (Trabalho noturno)

Horário     23:00 02:00 03:00 07:00 (contratual)

25/08/2010  22:52 02:16 03:14 06:57 (menos 1 min)

09/09/2010  22:53 02:15 03:16 06:53 (mais 1 min)

29/09/2010  22:52 01:38 02:37 06:53 (menos 1 min)

05/11/2010  22:56 02:09 03:11 08:57 (mais 2 min)

06/01/2011  22:53 02:40 03:38 06:51 (menos 2 min)

29/03/2011  23:00 01:43 02:38 06:50 (menos 5 min)

No ARR-864-62.2013.5.09.0016 (Trabalho noturno)

Horário     20:00 01:00 02:00 08:00 (contratual)

31/07/2008  19:50 01:00 01:58 08:10 (menos 2 min)

03/09/2008  19:59 00:57 02:00 08:59 (menos 3 min)

07/12/2008  19:59 00:57 02:00 08:27 (mais 3 min)

25/12/2008  20:43 01:00 01:58 08:32 (menos 2 min)

03/01/2009  19:52 00:57 02:00 08:00 (mais 3 min)

04/05/2009  19:44 00:57 01:58 08:00 (mais 1 min)

Segundo, nos termos do art. 291, § 1º do RITST, "é vedado ao órgão colegiado decidir, para os fins do artigo 896-C da CLT, questão não delimitada na decisão de afetação".

Assim, não são objeto deste incidente, e por isso não serão apreciados, os argumentos em relação às seguintes questões, mencionadas pelos amici curiae nas suas manifestações: possibilidade de pagamento apenas do adicional de horas extras em relação ao intervalo intrajornada não deferido integralmente,  natureza jurídica da parcela a ser paga pelo desrespeito ao intervalo intrajornada, possibilidade de redução ou supressão do intervalo intrajornada por negociação coletiva.

Terceiro, este Incidente de Recursos Repetitivos foi suscitado tendo em vista casos anteriores à vigência da Lei n.º 13.467 de 2017, de modo que as alterações introduzidas no art. 71, § 4.º, da CLT, e seus efeitos em relação à atual redação da Súmula n.º 437 do TST não serão analisadas neste julgamento. Ademais, eventual alteração no texto dessa Súmula é inviável pois não observados os atuais requisitos previstos na lei e no RITST.

2 – DA EXPOSIÇÃO DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À TESE JURÍDICA DISCUTIDA (ART. 291, CAPUT, DO RITST)

Conforme o art. 291 do RITST, o conteúdo do acórdão a ser proferido em Incidente de Recursos Repetitivos abrangerá a análise de todos os argumentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

Tal regra se justifica, conforme a doutrina:

A inclusão dos argumentos contrários à tese (e que, por isso, foram vencidos) ajuda a compreender o precedente firmado, além de dar-lhe ainda mais legitimidade. Como disse Sofia Temer, "justamente pela necessidade de demonstrar que a tese é a melhor, em termos de racionalidade e universalidade, é que também os fundamentos analisados e não acolhidos são essenciais no acórdão que julga o incidente, porque apenas será possível ter a visão panorâmica da controvérsia e da resolução da questão jurídica pela análise e refutação dos argumentos contrários, considerados pelo tribunal como insuficientes para infirmar a conclusão sobre a questão jurídica".

Exige-se que o processo de formação do precedente se dê nesses termos, ainda, porque, na interpretação e na aplicação dessa decisão a casos futuros e similares, bastará que o órgão julgador verifique se é ou não caso de distinção ou superação (arts. 489, § 1.º, V e VI, 927, § 1.º, CPC); se for, o precedente não será aplicado; se não for, o precedente será aplicado e a fundamentação originária do julgamento do incidente se incorporará automaticamente à própria decisão que o invoca, sem a necessidade de repeti-la ou reelabora-la, razão pela qual não será exigível a observância do art. 489, § 1.º, IV, CPC. Essa é uma das facetas da inércia argumentativa própria de um sistema de precedentes. Somente assim o sistema ganha o mínimo de racionalidade. [1]

2.1 – DOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À DESCONSIDERAÇÃO DA REDUÇÃO ÍNFIMA DA DURAÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA PREVISTO NO CAPUT DO ART. 71 DA CLT, PARA EFEITO DO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DE QUE TRATA § 4º, DO MESMO ARTIGO, E À APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 58, § 1.º, DA CLT, FORMULADOS PELOS RECLAMADOS, PELOS AMICI CURIAE E POR ALGUNS TRIBUNAIS REGIONAIS

Os argumentos favoráveis à aplicação analógica do art. 58, § 1.º, da CLT, apresentados pelos reclamados nestes autos de Incidente de Recursos Repetitivos e naqueles que foram selecionados como representativos da controvérsia, bem como pelos amici curiae e por alguns Tribunais Regionais são, em síntese, os seguintes:

O horário exato do registro de ponto é influenciado por diversos fatores no dia-a-dia das empresas (fila de registro de ponto, diferença entre o relógio pessoal e o relógio de ponto, antecipação voluntária do trabalhador para evitar fila, etc.). As variações mais comuns não são uniformes, evidenciando que se tratam de circunstâncias corriqueiras da rotina de um estabelecimento.

Essas circunstâncias no início e término da jornada  - e, igualmente, no início e término do intervalo - das quais resultam pequenas variações para menos ou para mais na marcação do ponto, não podem ser imputadas à má-fé da empresa, ou à desídia do trabalhador. Por isso, é incabível o pagamento de poucos minutos faltantes de intervalo, ou a compensação de poucos minutos que o extrapolam.

Um trabalhador com jornada de oito horas que dispõe de 50 minutos para alimentação e repouso, não está sujeito aos mesmos efeitos deletérios sofridos por um trabalhador que dispõe de apenas 15 minutos. A norma jurídica não pode ser distorcida, ensejando o enriquecimento ilícito, o abuso do direito, e a insegurança  nas relações trabalhistas.

Tanto a OJ n.º 23 da SDI, a Súmula n.º 366 do TST e o art. 58, § 1.º, da CLT pautam-se pela razoabilidade e proporcionalidade, princípios esses que também são observados em outros posicionamentos desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal. No entanto, a determinação constante da Súmula n.º 437 do TST, de pagamento de uma hora extra integral no caso de o intervalo intrajornada ser reduzido em poucos minutos, por força da dinâmica natural da relação de trabalho, fere os critérios da razoabilidade, da proporcionalidade e da equidade.

A razoabilidade-equidade exige  harmonização da norma geral com os casos individuais; a razoabilidade-congruência determina a harmonização das normas com suas condições externas de aplicação; e a razoabilidade-equivalência impõe uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.

Consta de algumas manifestações nos autos que a razoabilidade-equidade não foi observada pela generalização de tratamento imposta pela Súmula 437, pois é necessária a harmonização da norma geral com os casos individuais, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral.

Igualmente, afirma-se que foi desconsiderada a razoabilidade-congruência, pois se exige uma relação de congruência entre o fundamento para a diferenciação entre sujeitos e a norma que estabelece a diferenciação, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir, o que não ocorre no caso.

O suporte empírico seria a supressão arbitrária do intervalo, porém, a desconsideração das infinitas variáveis onde a supressão não é arbitrária e é inerente à dinâmica laboral, deixa claro que a razoabilidade não está sendo empregada como diretriz, pois essa exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo e com as particularidades as quais fazem referência.

Afirma-se em algumas manifestações que a violação da razoabilidade-equivalência consiste no pagamento integral de uma hora com o acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal em situações inerentes à dinâmica laboral (trânsito e outras), quando o que se necessita punir são os verdadeiros abusos que aumentam os riscos inerentes ao trabalho.

Ainda que não constem de forma expressa da Constituição, mencionados princípios decorrem de outras previsões ali contidas, como o próprio Estado Democrático de Direito (art. 1.º) e o devido processo legal substantivo (art. 5.º, LV).

Sustenta-se que o pagamento da hora de intervalo de forma integral em caso de supressão de poucos minutos violaria o art. 5.º, caput e II, da CF, pois implica o tratamento de situações desiguais de forma igual.

Afirma-se que o intervalo intrajornada não tem caráter absoluto ou inalterável, tanto assim que há dispositivos da CLT que autorizam a sua supressão parcial em determinadas circunstâncias sem a imposição de qualquer sanção, por se tratarem de situações sem maior gravidade  (art. 71, §§ 3.º e 5.º, da CLT). Se o caso não afronta a dignidade humana, deve haver aplicação proporcional ou mesmo o afastamento da sanção estabelecida pelo art. 71, § 4.º, da CLT.

Nesse contexto, conforme algumas manifestações nestes autos, é necessário manter a jurisprudência do TST coerente, nos termos do art. 926 do CPC, reconhecendo-se a possibilidade de relativização do intervalo intrajornada, tal como na OJ n.º 23 da SDI e Súmula n.º 366 do TST.

A aplicação da analogia, por sua vez, já foi referendada por esta Corte, ao editar a Orientação Jurisprudencial n.º 355 da SBDI-1 do TST, na qual se determina a aplicação do art. 71, § 4.º, da CLT, em relação ao intervalo interjornada.

Ademais, a sanção pelo descumprimento de norma trabalhista já se encontra dentro das atribuições da Fiscalização do Trabalho e resulta na sanção administrativa cabível. As prestações de natureza salarial têm, como fundamento, a contraprestação pelo trabalho executado, o que de pronto se afasta se a condenação se reveste de fins punitivos e não houve trabalho executado.

Concluem as manifestações que deve ser admitida a redução parcial de alguns minutos do intervalo, sem qualquer acréscimo nas hipóteses de ínfima supressão, ou o pagamento apenas dos minutos faltantes acrescidos de 50%, preservando minimamente os objetivos da norma protetiva. Seria a aplicação do art. 71, § 4.º, da CLT em harmonia com o art. 58, § 1.º, da CLT.

2.2 – DOS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À DESCONSIDERAÇÃO DA REDUÇÃO ÍNFIMA DA DURAÇÃO DO INTERVALO INTRAJORNADA PREVISTO NO CAPUT DO ART. 71 DA CLT PARA EFEITO DO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DE QUE TRATA § 4º, DO MESMO ARTIGO, E À APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 58, § 1.º, DA CLT, APRESENTADOS NESTES AUTOS PELOS TRABALHADORES, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E POR ALGUNS TRIBUNAIS REGIONAIS

Os argumentos contrários à aplicação analógica do art. 58, § 1.º, da CLT, apresentados pelos reclamantes nestes autos de Incidente de Recursos Repetitivos e naqueles que foram selecionados como representativos da controvérsia, bem como por alguns Tribunais Regionais e pelo Ministério Público do Trabalho são, em síntese, os seguintes:

As disposições de lei concernentes ao intervalo para descanso e alimentação têm natureza obrigatória, imperativa e cogente, além de serem irrenunciáveis, pois objetivam preservar a saúde e a higidez física e mental dos trabalhadores.

A falta de fruição do intervalo em sua integralidade ocasiona maior desgaste físico e emocional, deixando o trabalhador mais suscetível a acidentes de trabalho ou falhas operacionais, pois impede a recomposição mínima das energias do empregado. Isso é mais perceptível quando o conteúdo ocupacional precisa de maior atenção, de modo que a diminuição do intervalo pode ser decisiva à configuração do potencial efeito insalubre ou perigoso dos ambientes ou atividades.

Afirma-se nas manifestações que a preocupação com o meio ambiente do trabalho e sua preservação foi erigida ao status de direito constitucional fundamental dos trabalhadores, pelo que possuem inequívoca natureza de norma de ordem pública, conforme dispõe o artigo 7.º, XXII, da Constituição Federal. A inobservância do intervalo, além de violar esse dispositivo de lei, afronta também a dignidade humana, que constitui um dos fundamentos da República (art. 1.º, III, da CF/88).

Desse modo, à exceção das previsões contidas nos §§ 3,º e 5.º do art. 71 da CLT, sob qualquer outro prisma que seja analisada a questão, tem-se como irregular a concessão do intervalo aquém de uma hora.

O art. 58, § 1.º, da CLT se refere apenas ao início e término da jornada, pois está inserto na Seção II "Da jornada de trabalho", do capítulo II "Da duração do trabalho", enquanto que o art. 71, § 4.º da CLT, embora esteja no mesmo capítulo, está na Seção III que trata "Dos períodos de descanso".

Enquanto o art. 71, § 4.º, da CLT dispõe a respeito do intervalo mínimo intrajornada de uma hora, o art. 58, § 1.º, preocupa-se com a parte econômica ao dispor sobre a percepção ou não de horas extras, sendo que esse último dispositivo permite variações de registro partindo do pressuposto de que o intervalo intrajornada foi cumprido regularmente.

Em matéria de saúde e segurança, não há que se falar em aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade em prejuízo do trabalhador.

Afirma o Ministério Público do Trabalho em seu parecer que, numa jornada de oito horas, cinco ou dez minutos correspondem a 1/96 (um noventa e seis avos) e 1/48 (um quarenta e oito avos) ou, aproximadamente, 1% a 2% da jornada. Já no intervalo intrajornada de uma hora, esses cinco e dez minutos equivalem a 1/12 (um doze avos) e 1/6 (um sexto), ou aproximadamente 8% e 16% do intervalo intrajornada, ou seja, um percentual bastante elevado.

Diante da impossibilidade de estabelecer um critério objetivo de tolerância, o legislador determinou a observância da norma de forma irrestrita. Se fosse tolerado o desrespeito em cinco minutos, todas as empresas que concedem uma hora de intervalo intrajornada passariam a garantir apenas 55 minutos e, quando surgissem casos de registro de intervalos de 54 minutos, a celeuma estaria novamente instalada por conta desse novo 1 minuto.

Afirma-se nas manifestações que, se o empregado estava trabalhando, quando deveria estar descansando, é certo que o intervalo não atingiu sua finalidade. Não são as normas ou o rigor de sua aplicação que devem mudar, na medida em que protegem o elo fraco da relação laboral, mas as empresas que devem se adequar ao ordenamento jurídico vigente, buscando a adoção de medidas proativas que solucionem o problema sem que haja necessidade da intervenção coativa do poder público.

A desconsideração dos minutos faltantes viola o art. 71, § 4.º, da CLT, e contraria a Súmula 437 do TST.  E, nos precedentes que culminaram com a edição da OJ n.º 307 da SDI, convertida na Súmula 437, não houve a permissão para aplicar o art. 58, § 1.º, da CLT à hora intervalar.

Não é cabível a flexibilização do intervalo intrajornada sequer por norma coletiva, nos termos da Súmula n.º 437, II, do TST. E, se a norma coletiva não pode dispor sobre a redução do intervalo intrajornada, também o Poder Judiciário não pode flexibilizar esse direito, tendo em vista a força cogente do art. 71, § 4.º, da CLT.

Sustenta-se que a aplicação do art. 58, § 2.º da CLT ao intervalo poderia ensejar a desconsideração, por dia, de até 20 minutos da jornada do trabalhador, considerando o limite de até 5 minutos para cada um dos registros do cartão, violando, assim, o limite de 10 minutos esculpido no art. 58, §1º da CLT.

Finalmente, a desconsideração dos poucos minutos afronta o princípio da legalidade, que é um dos pilares básicos do Estado Democrático de Direito, garantia fundamental da pessoa humana.

3 – ANÁLISE DA MATÉRIA OBJETO DO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS

3.1 – DO INTERVALO INTRAJORNADA. IMPORTÂNCIA

Algumas das pessoas admitidas nestes autos na qualidade de amici curiae mencionaram em suas manifestações o art. 611-B, parágrafo único, da CLT, introduzido pela Lei n.º 13.467/2017, segundo o qual as regras referentes à duração de trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança para os fins do disposto naquele artigo. Sua intenção, no contexto deste Incidente de Recursos Repetitivos, foi a de minimizar a importância conferida pela lei e pela jurisprudência aos intervalos intrajornada, o que justificaria a atenuação dos efeitos da supressão de poucos minutos desses intervalos.

Neste ponto da análise deste Incidente, reitero que os casos que ensejaram sua instauração são anteriores à vigência da Lei n.º 13.467/2017, e a questão relativa ao disposto no art. 611-B, parágrafo único, da CLT não está dentre aquelas delimitadas para apreciação. A par disso, registro que o próprio art. 611-B, parágrafo único, da CLT, estabelece que os intervalos não são considerados normas de saúde, higiene e segurança do trabalho apenas para os fins das negociações coletivas, situação que também não se amolda ao objeto deste Incidente.

Feitos esses esclarecimentos, cumpre reconhecer que os intervalos intrajornada para refeição e descanso têm por finalidade primordial a recuperação das energias físicas e mentais do trabalhador, a fim de que possa dar continuidade à prestação de serviços durante o restante da jornada, diminuindo os efeitos e os riscos da fadiga. As normas que tratam do assunto, portanto, relacionam-se com a saúde e a segurança do trabalhador, conforme esclarecem Orlando Gomes e Elson Gottschalk[2]:

A duração do trabalho não conheceu limites durante um largo período da história da humanidade. Por muitos séculos, a sua delimitação era regida pelo mecanismo das leis naturais. A civilização e a experiência do homem deram-lhe a convicção de que a instituição de repouso ou tempo livre era útil sob tríplice aspecto:

a) fisiológico;

b) moral e social;

c) econômico.

A Fisiologia forneceu os dados para o primeiro fundamento científico da conveniência da limitação da duração do trabalho. De fato, cientistas verificaram que o organismo humano sofre desgastes quando se põe em atividade, queimando as energias acumuladas numa maior proporção.

Os modernos fisiologistas descrevem, com luxo de pormenores, o processo pelo qual a fadiga se instala insidiosamente no organismo humano quando desenvolve prolongada atividade. A perda de oxigênio do sangue, o aumento de sua taxa hidrogênica, a formação excessiva de ácido lático e do CO3H2 são alguns dos fatores que concorrem para a formação das toxinas da fadiga. A acidemia que se forma excita a respiração e aumenta a ventilação pulmonar, produzindo os sintomas subjetivos de mal-estar ou dispneia.

Se o organismo humano se entrega a uma atividade sem trégua, a fadiga se converte em fadiga crônica. Esta, como observa Labranca, predispõe o indivíduo às doenças e conduz à invalidez e velhice, abreviando a vida humana. Palacios, estudando as projeções sociais da fadiga, demonstra a sua nociva influência sobre o desenvolvimento do próprio organismo, a mortalidade, os acidentes do trabalho, a tuberculose, e até mesmo a fadiga hereditária, como uma das causas mais sérias das perturbações sofridas pelo organismo da mulher, que repercutem dolorosamente na descendência.

Salienta-se que não se trata, apenas, de fadiga muscular, eis que cada impulso de trabalho dado a um músculo provoca o que se chama irritação no sistema nervoso central. A continuada operação produz desgaste da substância nervosa, e determina a fadiga cerebral com todas as suas consequências.

(...)

A justificativa da limitação temporal do trabalho do ponto de vista moral está no respeito que deve ter pela dignidade da pessoa humana.

(...)

O fundamento econômico para a limitação da duração do trabalho é tese amplamente debatida na doutrina. Não se negam as vinculações que unem o progresso do Direito do Trabalho em geral e em particular, no setor da limitação da duração do trabalho, e o desenvolvimento da infraestrutura técnica e econômica. Elucidativo, a propósito, foi o inquérito de alta relevância procedido para apurar os reflexos da implantação da jornada de oito horas. Apurou-se que esta exerceu uma ação estimulante sobre o processo técnico e sobre o próprio rendimento dos empregados. A produção mundial, longe de diminuir, aumentou, obrigando as empresas a adotarem uma organização mais perfeita, a aperfeiçoarem a técnica e a melhorarem o seu material.

(...)

É nesse contexto que, não obstante se reconheça que na prática inúmeras pessoas façam suas refeições em poucos minutos, sem que isso provoque efeitos visíveis imediatos na sua saúde, a importância dos intervalos para refeição e descanso já foi comprovada cientificamente para garantir o bem-estar físico, mental e social do trabalhador que são, segundo a Organização Mundial da Saúde, os parâmetros definidores da saúde humana.

Porém, o reconhecimento dessa importância por si não dirime este Incidente, pois o que se discute nestes autos não são reduções significativas do intervalo intrajornada ou sua supressão,  mas possível reconhecimento de irregularidade em variações ínfimas e eventuais e os seus efeitos pecuniários, conforme se verá adiante.

3.2 – DAS REDUÇÕES ÍNFIMAS NO INTERVALO INTRAJORNADA DE QUE TRATA O ART. 71, CAPUT, DA CLT. AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE

A primeira questão a ser dirimida neste incidente refere-se a ser ou não possível considerar regular a concessão do intervalo intrajornada previsto no art. 71, caput, da CLT, quando houver redução ínfima de sua duração.

Reiteramos que neste Incidente nos referimos apenas àqueles casos em que ocorrem pequenas variações eventuais na marcação do intervalo. A configuração das situações a que nos referimos pode perfeitamente ser constatada no momento da instrução processual, por meio da análise dos cartões de ponto, e de modo algum se confunde com acordos tácitos ou expressos, individuais ou coletivos, que previamente estabeleçam reduções do intervalo, muito menos imposição patronal nesse sentido.

Pois bem.

As relações de trabalho são, antes de tudo, relações humanas, e como tal sujeitas a inúmeras variáveis que o legislador busca prever e disciplinar. O tempo de jornada e de descanso são duas dessas variáveis, das mais importantes e sensíveis, pois interferem diretamente na produção e rentabilidade do empreendimento, bem como no equilíbrio mental, físico e social do trabalhador.

Daí, dentre outros dispositivos, temos o caput do art. 71 da CLT segundo o qual "em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas".

Entretanto, embora direito relevante do trabalhador, por muitos anos seu desrespeito foi considerado mera infração administrativa, desde que não importasse excesso na jornada efetivamente trabalhada, conforme consagrado pela Súmula n.º 88 do TST (publicada em  setembro de 1978 e cancelada em fevereiro de 1995):

JORNADA DE TRABALHO. INTERVALO ENTRE TURNOS (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O desrespeito ao intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho, sem importar em excesso na jornada efetivamente trabalhada, não dá direito a qualquer ressarcimento ao obreiro, por tratar-se apenas de infração sujeita a penalidade administrativa (art. 71 da CLT).

Ocorre que a simples imposição de penalidades administrativas não servia para garantir o cumprimento da lei quanto ao intervalo intrajornada, de modo que era muito frequente a redução ou supressão desse direito do trabalhador, atentando contra a sua saúde.

A fim de garantir a fiel observância desse intervalo, o legislador introduziu na CLT uma sanção para o caso de sua não observância, por meio da Lei n.º 8.923/94, que acrescentou o parágrafo 4.º ao art. 71 da CLT, com o seguinte teor:

 Art. 71 (...)

 § 4º Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo cinquenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Neste ponto, afasta-se expressamente a alegação formulada por alguns dos amici curiae de que a supressão ou redução do intervalo intrajornada implicaria apenas infração administrativa, pois tal entendimento não se coaduna com o texto expresso da Lei n.º 8.923/94.

Destaco que a redação desse dispositivo foi alterada pela Lei nº 13.467, de 2017, mas mesmo a nova redação conferida ao § 4.º do art. 71 da CLT não dá margem a dúvida quanto  ao reconhecimento de que o desrespeito ao intervalo intrajornada não sujeita o infrator apenas a penalidades administrativas. Confira-se:

Art. 71. (...)

§ 4º  A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Mas, como já esclarecido anteriormente, neste Incidente estão em análise apenas os casos sujeitos à regulamentação anterior.

Sigamos.

Nos julgamentos desta Corte, posteriores à inclusão do § 4.º no art. 71 da CLT por meio da Lei n.º 8.923/94, firmou-se o entendimento consagrado pela Orientação Jurisprudencial n.º 307 da SBDI-1 do TST (redação original publicada no DJ de 11/8/2003), com o seguinte teor:

 INTERVALO INTRAJORNADA (PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO). NÃO CONCESSÃO OU CONCESSÃO PARCIAL. LEI Nº 8.923/94

Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT).

Essa Orientação Jurisprudencial foi cancelada, em decorrência de sua aglutinação ao item I da Súmula n.º 437 do TST, que dispõe:

INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

 I - Após a edição da Lei nº 8.923/94, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração.

(...)

Na época da edição da Súmula n.º 437 do TST já se discutia e foi rechaçada a possibilidade de aplicação do entendimento da Súmula n.º 366 do TST aos casos de pequenas variações do intervalo intrajornada. Essa Súmula, em sua redação original, previa que "não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal".

Esta Corte entendeu que não era o caso de aplicar a Súmula n.º 366 do TST aos casos de pequenas reduções no intervalo intrajornada, por considerar que se tratava "de matéria diversa, relacionada com o pagamento de horas extraordinárias nos casos em que as variações do registro de ponto da jornada diária de trabalho excederem ao limite máximo de dez minutos". Cito o seguinte julgado a título ilustrativo: E-ED-RR-57900-43.2006.5.05.0461, Redator Ministro Lelio Bentes Corrêa, DEJT 24/02/2012.

Justificável tal posicionamento a fim de conferir plena efetividade ao comando da Lei n.º 8.923/94, formulado com o intuito de forçar a fiel observância do intervalo intrajornada, até então largamente desrespeitado por falta de sanção adequada.

Porém, o rigor dessas decisões do TST não foi bem assimilado, quer por outros julgadores, quer pelos destinatários da norma, ensejando o presente incidente para nova reflexão. E isso se explica porque, em diversos processos, verificou-se uma clara discrepância entre os fatos concretos da vida que emergiam da instrução probatória e as consequências jurídicas de tais fatos, admitidas pelos julgados desta Corte Superior.

A interpretação da norma jurídica deve pautar-se pela razoabilidade e, no caso, pela proporcionalidade entre a infração à norma legal e a sanção respectiva. Observe-se que, segundo Gisela Gondim Ramos[3], a razoabilidade "estabelece uma relação entre critério e medida", dizendo respeito à verossimilhança pois "promove uma avaliação no sentido de estabelecer se algo é logicamente plausível e aceitável pela razão". Já a proporcionalidade estabelece "uma relação entre meio e fim", pressupondo uma "relação de causalidade entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de coisas (fim)". Diz respeito "à comparação de duas grandezas: promove uma avaliação para fins de estabelecer se as grandezas se apresentam harmoniosas e bem-conformadas, ou seja, se estão na mesma dimensão em intensidade, grau e importância".

É nesse contexto que se afirma que a condenação ao pagamento de uma hora integral (com adicional de 50% e reflexos, nos termos da legislação anterior), no caso em que há redução eventual e ínfima do tempo de descanso, não se mostra razoável ou proporcional.

Por outro lado, a aplicação de uma sanção, seja com função desestimuladora/preventiva ou reparatória/compensatória,  pressupõe uma ação ou omissão contrária à prescrição legal. A intensão do sujeito não é, necessariamente, fator preponderante na aplicação da sanção, podendo ser reconhecido o desrespeito à lei tanto no caso de efetivo dolo, como no de mera negligência. Em qualquer caso, entretanto, deve ser reconhecido que o desrespeito à norma jurídica decorre da ação ou omissão do sujeito, e que as consequências desse desrespeito podem ou poderiam ser evitadas com, ao menos, maior diligência do infrator.

Ocorre que, nos casos em que as empresas não se utilizam da prerrogativa do art. 74, § 2.º da CLT (pré-assinalação do período de repouso), é humanamente impossível evitar pequenas variações na marcação do intervalo, gerada pelos mais diversos fatores que não podem ser controlados pelo empregador, inclusive o tempo de deslocamento do posto de trabalho até o local de registro de horário, por mais próximo que ele seja. Ainda que cada empregado tivesse um equipamento para registro de ponto em seu posto de trabalho, pequenas variações seriam inevitáveis, porque os seres humanos não são máquinas de precisão.

Não é demais enfatizar que essas pequenas variações tanto podem ser a menor, quanto a maior, conforme se verifica nos cartões de ponto que instruem os processos selecionados como representativos da controvérsia. E nos parece que, se de um lado causaria estranheza que o empregador descontasse dois ou três minutos do salário do empregado quando houvesse fruição de intervalo a maior nessa proporção, ou que exigisse a compensação desses minutos ao final da jornada diária, igualmente não nos parece adequado que, uma vez tendo sido gozado o intervalo com redução de poucos minutos, haja condenação em uma hora integral relativa ao tempo de repouso.

Com efeito, a finalidade da edição de uma súmula, mesmo não vinculante, é a pacificação social. E a condenação ao pagamento de uma hora integral pela falta de fruição de poucos minutos do intervalo intrajornada, tem efeito exatamente contrário. Isso porque, se o senso comum indica ao homem médio que a marcação de poucos minutos a menos no registro de seu intervalo não deve ser elemento de conflito (mesmo porque em alguns momentos ocorrerá a marcação de uns poucos minutos a mais), a demanda será praticamente inevitável, se os Tribunais deferirem o pagamento de uma hora extra, decorrente da não fruição desses poucos minutos.

Tal como alegado pelos amici curiae, a imposição da mesma sanção pela redução do intervalo intrajornada em 5 ou 50 minutos, afronta o princípio da igualdade (art. 5.º, caput e II, da CF), pois implica o reconhecimento de efeitos iguais a fatos totalmente distintos, distanciando-se da finalidade da lei que é corrigir a ação do efetivo infrator, penalizando-o com a imposição de ressarcimento do direito violado.

Embora o caso não se amolde ao disposto no art. 71, §§ 3.º e 5.º, da CLT (redução do intervalo nos estabelecimentos por ato do Ministro do Trabalho, e fracionamento ou redução do intervalo de determinados empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, desde que observados determinados requisitos), a existência desse dispositivo no ordenamento jurídico indica a possibilidade de se reconhecer  que a redução do intervalo em dadas circunstâncias (no caso em exame, por pouquíssimos minutos, em virtude da inviabilidade de absoluta precisão no seu registro) não irá, necessariamente, comprometer a saúde do trabalhador.

Entenda-se que não se está albergando afronta à lei no que concerne à fruição do intervalo para descanso e alimentação. Ainda  que a norma aqui examinada seja considerada de ordem pública, obrigatória, imperativa, cogente e irrenunciável, o que se busca é  o reconhecimento de que a interpretação que se confere à lei não pode ser dissociada dos fatos da vida que se pretende regular.

Naturalmente, se da instrução processual forem constatados fatos específicos que impliquem o reconhecimento de que poucos minutos a menor no intervalo intrajornada constituirão fator significativo para a ampliação do potencial insalubre ou perigoso do ambiente de trabalho, essa situação deve ser considerada como distinguishing pelo julgador ao proferir sua decisão. Mas, a priori, variações mínimas e eventuais como as que aqui são analisadas não possuem esse potencial ofensivo, a ponto de ocasionar maior desgaste físico e mental, deixar o trabalhador mais suscetível a acidentes de trabalho ou falhas operacionais, ou afrontar a dignidade humana.

Diante de todos os fundamentos expostos, a conclusão é de que a redução ínfima e eventual do intervalo intrajornada não afronta princípios, leis ou qualquer norma constitucional, de modo que não há como se reconhecer ao trabalhador o direito a ressarcimento pecuniário nessa situação.

O contrário, ou seja, o pagamento integral de uma hora extra pela redução ínfima e eventual do intervalo, é que enseja o enriquecimento ilícito, além de ser contrária  às noções de equilíbrio e justiça, termo que aqui se utiliza no sentido de dar a cada um aquilo que lhe é de direito.

Observe-se que o termo "eventual" aqui é empregado no sentido exato que aparece no dicionário da língua portuguesa, ou seja, "que é fortuito, podendo ou não ocorrer ou realizar-se, casual"[4]

Assim, em relação à primeira questão delimitada neste Incidente de Recursos Repetitivos, adota-se o seguinte entendimento:

A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, decorrente de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4.º, da CLT.

Declara-se prejudicada a análise da seguinte questão jurídica delimitada neste incidente:

Caso se considere irregular a redução ínfima do intervalo intrajornada, qual a consequência jurídica dessa irregularidade?"

3.3 – VARIAÇÕES ÍNFIMAS NO INTERVALO INTRAJORNADA DE QUE TRATA O ART. 71, CAPUT, DA CLT. DEFINIÇÃO

Considerada a tese adotada no tópico anterior, cabe a análise da seguinte questão:

Para o fim de definir tal conceito (redução ínfima), cabe utilizar a regra prevista no art. 58, § 1.º, da CLT ou outro parâmetro objetivo?

 

De fato, a expressão "redução ínfima" do intervalo intrajornada é vaga, demandando o estabelecimento de um parâmetro objetivo para nortear sua aplicação.

Por sua vez, a inexistência de um critério na lei não impede o seu estabelecimento pelo Poder Judiciário, ante o que dispõe o art. 8.º da CLT que autoriza, nessa situação, decisões pautadas na jurisprudência, na analogia, na equidade e outros princípios e normas gerais de direito, em especial do direito do trabalho, nos usos e costumes e no direito comparado.

Nesse particular, não é demais lembrar que foram as decisões do Poder Judiciário que inspiraram o legislador a  acrescentar o § 1.º ao art. 58 da CLT, por meio da Lei n.º 10.243/2001, que tem o seguinte teor:

Art. 58 – (...)

 § 1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.   

 

De fato, antes dessa inovação legislativa, mais precisamente em junho de 1996, esta Corte editou a Orientação Jurisprudencial n.º 23 da SBDI-1 do TST, que dispunha:

CARTÃO DE PONTO. REGISTRO

Não é devido o pagamento de horas extras relativamente aos dias em que o excesso de jornada não ultrapassa de cinco minutos antes e/ou após a duração normal do trabalho. (Se ultrapassado o referido limite, como extra será considerada a totalidade do tempo que exceder a jornada normal).

Essa Orientação Jurisprudencial, juntamente com a de número 326 da SBDI-1 do TST, no ano de 2005 foram convertidas na Súmula n.º 366 do TST, in verbis:

CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. HORAS EXTRAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO  (nova redação) - Res. 197/2015 - DEJT divulgado em 14, 15 e 18.05.2015

Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc).

Dentre os julgados que deram origem à Orientação Jurisprudencial n.º 23 da SBDI-1 do TST e, em seguida, à Súmula n.º 366 do TST, cito os seguintes, os quais demonstram que, embora não existindo disposição legal expressa na época, decidiu-se com amparo no critério da razoabilidade:

HORAS EXTRAS - CONTAGEM MINUTO A MINUTO. O tempo gasto para registro de ponto, antes e após a jornada normal, que não ultrapassar a cinco minutos, não deve ser considerado como extra. Isto porque, considerando-se o número de empregados sujeitos à marcação de ponto, é razoável que se conceda cinco minutos de tolerância, tanto na entrada quanto na saída, em razão da impossibilidade de todos marcarem ponto simultaneamente. Porém, se ultrapassado o referido limite como extra será considerada a totalidade do tempo que exceder a jornada normal. Embargos conhecidos parcialmente e desprovidos. (Processo TST-ERR-148050/94, Relator Ministro Francisco Fausto Paula de Medeiros, DJ 19/9/1997)

HORAS EXTRAS - CONTAGEM MINUTO A MINUTO É razoável se admitir que se considere o tempo destinado à marcação do ponto, até cinco minutos, como não sendo de serviço. Tempo superior não é razoável, devendo o empregador providenciar para que o empregado não gaste mais que cinco minutos para esse fim. Ao adentrar as dependências da empresa o obreiro já se põe à disposição do empregador, pelo que legalmente todo o tempo a partir daí deveria ser considerado como de serviço. Assim, não podem ser excluídos da duração da jornada os minutos que excederem a cinco destinados à marcação do ponto. Recurso de embargos parcialmente conhecido e desprovido. (E-RR-51974/1992, Relator Ministro Vantuil Abdala, DJ 17/5/1996)

Uma das possibilidades aventadas neste incidente é justamente a utilização do § 1.º ao art. 58 da CLT como parâmetro para definir o que seja "redução ínfima" do intervalo intrajornada.

Esse dispositivo, que está inserto na Seção II "Da jornada de trabalho", do capítulo II "Da duração do trabalho", tem sido aplicado por analogia por alguns Tribunais Regionais, o que encontra amparo no art. 8º da CLT, conforme já ressaltado anteriormente.  

Embora não idênticas, há similitudes entre a situação fática disciplinada pelo art. 58, § 1.º, da CLT e a que ora se examina: ambos se referem a pequenas variações no registro de ponto, não atribuíveis à imposição patronal, mas decorrentes, por exemplo, da impossibilidade de marcação de ponto por todos os trabalhadores ao mesmo tempo.

Porém, o douto Ministério Público do Trabalho, em seu parecer, formula argumento que não pode ser desconsiderado, qual seja, de que a aplicação desse dispositivo em relação ao intervalo intrajornada não é proporcional. Como bem lembrado pelo Parquet, numa jornada de oito horas, cinco a dez minutos correspondem de 1/96 (um noventa e seis avos) a 1/48 (um quarenta e oito avos) ou, aproximadamente, 1% a 2% da jornada. Já no intervalo intrajornada de uma hora, esses cinco a dez minutos equivalem de 1/12 (um doze avos) a 1/6 (um sexto) ou, aproximadamente, de 8% a 16% do tempo de descanso.

Evidentemente, o que se busca não é uma perfeita proporção matemática, mas um parâmetro cuja observância seja viável no mundo dos fatos, e do qual emane uma ideia de equilíbrio e justiça, que possa ser assimilada e praticada pelos atores sociais, alcançando a efetiva pacificação social.

É nesse contexto que, embora não aplicando diretamente o art. 58, § 1.º, da CLT, o utilizamos como parâmetro para declarar ínfima a redução total de até cinco minutos do intervalo intrajornada (ou seja: somados aqueles do início e término do intervalo), decorrentes de variações do registro de ponto.

Consideramos que seja possível aos empregadores buscarem meios de observar essa margem de tolerância como, por exemplo, estabelecendo horários de descanso e refeição diferenciados entre grupos de trabalhadores. Nos processos afetados a este Tribunal Pleno por meio deste IRR, por exemplo, efetivamente a variação de minutos observada na marcação do intervalo nunca ultrapassou cinco minutos.

Assim, em relação à segunda questão delimitada neste Incidente de Recursos Repetitivos, adota-se o seguinte entendimento:

É ínfima a redução do intervalo intrajornada de que trata o art. 71, caput, da CLT, em até 5 (cinco) minutos no total, somados aqueles registrados no início e término do intervalo.   

3.4 – CONCLUSÃO. FIXAÇÃO DE TESE JURÍDICA

Neste Incidente de Recursos Repetitivos, que trata de casos anteriores à Lei nº 13.467, de 2017, que deu nova redação ao art. 71, § 4.º, da CLT fixa-se a seguinte tese jurídica:

A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência.

4 – JULGAMENTO DOS PROCESSOS AFETADOS AO TRIBUNAL PLENO COMO REPRESENTATIVOS DA CONTROVÉRSIA

4.1 - PROCESSO TST-RR-1384-61.2012.5.04.0512

Recorrente : JOSÉ HÉLIO DE SOUZA PAYVA

Recorrido : M. DIAS BRANCO S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO ALIMENTOS

Recurso de revista interposto pelo reclamante na vigência da Lei n.º 13.015/2014. É tempestivo e está regular a representação processual.

4.1.1 – CONHECIMENTO

O reclamante, a fim de demonstrar o prequestionamento da matéria impugnada, transcreveu o seguinte trecho do acórdão do TRT:

DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA para: a) limitar a condenação em 1 hora extra decorrente do intervalo intrajornada às hipóteses em que a supressão do intervalo de 1 hora foi superior a 10 minutos, sendo que, no caso da supressão ser igual ou inferior a 10 minutos, serão devidos como extraordinários apenas os minutos faltantes para completar uma hora; (...)

c) Intervalo intrajornada:

Em relação à forma de remuneração do intervalo intrajornada fruído parcialmente, levando em conta o critério da razoabilidade, entendo que os casos nos quais a supressão do intervalo intrajornada não ultrapassar 10 minutos devem ser tratados distintamente das situações em que o período faltante atinge maiores proporções.

Por conseguinte, na hipótese do período não usufruído de intervalo somar, no máximo, 10 minutos, serão devidos como extraordinários apenas os minutos faltantes para completar uma hora. De outro lado, no caso da supressão do intervalo intrajornada ultrapassar esse limite de 10 minutos, será devido o pagamento integral da hora, com acréscimo do adicional de 50%, em conformidade com o entendimento esposado na Súmula 437, inciso I, do TST.

Ressalto, de outra parte, o entendimento deste julgador, no sentido de que o parágrafo 4º do artigo 74 da CLT não institui uma indenização, mas estabelece critério de remuneração de horas extras, razão pela qual a supressão parcial do intervalo gera o direito à contraprestação respectiva, inclusive com repercussão em outras verbas.

Desse modo, dou parcial provimento ao recurso ordinário da reclamada para limitar a condenação em 1 hora extra decorrente do intervalo intrajornada às hipóteses em que a supressão do intervalo de 1 hora foi superior a 10 minutos, sendo que, no caso da supressão ser igual ou inferior a 10 minutos, serão devidos como extraordinários apenas os minutos faltantes para completar uma hora.

Dou provimento ao recurso ordinário do reclamante para declarar a natureza salarial da hora extra decorrente do intervalo intrajornada não fruído corretamente, devendo referida condenação incidir sobre o aviso prévio, férias com 1/3, 13º salário, repouso semanal remunerado, feriados e FGTS com 40%.

No recurso de revista, o reclamante sustenta que a decisão do TRT afronta de forma literal os arts. 58, § 1.º e 71, § 4.º, da CLT, bem como contraria a Súmula n.º 437 do TST, e a Orientação Jurisprudencial n.º 342, I, do TST. Isso porque a infringência do art. 71 da CLT implica o pagamento de uma hora extra integral (a hora mais o adicional), sem que haja qualquer desconto, pois não há previsão legal nesse sentido. Argumenta que sequer a norma coletiva poderia dispor sobre o intervalo intrajornada, conforme a Orientação Jurisprudencial n.º 342, I, do TST, de modo que o Poder Judiciário também não pode deixar de aplicar a lei, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. Sustenta que nenhum dos precedentes que deram origem à OJ n.º 307 da SBDI1 do TST (aglutinada na Súmula n.º 437 do TST) permitiu a aplicação do art. 58, § 1.º da CLT à hora intervalar.

Preenchidos os requisitos do art. 896, § 1.º-A, da CLT.

O paradigma oriundo do TRT da 3.ª Região, em relação ao qual foram observados os requisitos da Súmula n.º 337 do TST, autoriza o conhecimento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, na medida em que, enquanto o TRT considerou cabível o pagamento apenas dos minutos faltantes do intervalo intrajornada reduzido em até 10 minutos (e a partir daí o pagamento da hora integral), a decisão paradigma afirma que o gozo de frações de intervalo intrajornada inferiores a uma hora enseja o direito de o trabalhador receber o período destinado ao gozo de forma integral, e não apenas as frações de tempo faltante.

Conheço por divergência jurisprudencial.

4.1.2. MÉRITO

No Incidente de Recursos Repetitivos suscitado nestes autos, foi firmada a seguinte tese jurídica:

A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência.

Então:

Decisão do TRT no caso dos autos: Até 10 minutos de redução, pagamento minuto a minuto como extra. Superado esse limite, paga-se a hora integral do intervalo como extra.

Decisão neste IRR: Até 5 minutos de redução, não gera qualquer pagamento. Superado esse limite, paga-se a hora integral do intervalo como extra, pois essa a consequência prevista na Súmula n.º 437, I, do TST.

Cabível a adaptação da condenação à tese consagrada no Incidente de Recursos Repetitivos, ressaltando-se a necessidade de não se configurar o reformatio in pejus, no que se refere aos dias em que o intervalo foi reduzido em menos de cinco minutos.

Assim, dou provimento parcial ao recurso de revista para limitar a condenação ao pagamento como extra dos minutos faltantes do intervalo intrajornada, nos dias em que a redução não ultrapassou 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo. Nos dias em que ultrapassado o limite de 5 (cinco) minutos, será devido o pagamento total da hora destinada ao intervalo intrajornada, e não apenas do tempo suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração, nos termos da Súmula n.º 437, I, do TST.

4.2 - PROCESSO TST-ARR-864-62.2013.5.09.0016

Agravante e Recorrente : CRUZ VERMELHA BRASILEIRA – FILIAL DO ESTADO DO PARANÁ

Agravado e Recorrido : ANDRÉ LUIZ CARZINO

PRELIMINARMENTE

O recurso de revista interposto pela reclamada obteve processamento quanto ao tema "DURAÇÃO DO TRABALHO/INTERVALO INTRAJORNADA" e teve seguimento denegado quanto aos temas "DURAÇÃO DO TRABALHO/COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO", "DURAÇÃO DO TRABALHO/ADICIONAL NOTURNO", "REMUNERAÇÃO. VERBAS INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS/MULTA PREVISTA EM NORMA COLETIVA", "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO/PARTES E PROCURADORES/ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA".

A reclamada interpôs agravo de instrumento em relação aos temas não admitidos (o despacho de admissibilidade foi proferido após a vigência da Instrução Normativa n.º 40 do TST).

Considerando a afetação deste processo em decorrência do Incidente de Recursos Repetitivos que trata do tema "INTERVALO INTRAJORNADA", apenas quanto a esse haverá pronunciamento do Tribunal Pleno, observando-se o disposto no art. 291, § 2.º, do RITST:

Art. 291. (...)

§ 2º. Quando os recursos afetados em processos já distribuídos no âmbito deste Tribunal contiverem outras questões além daquela que é objeto de afetação, caberá ao órgão jurisdicional competente para julgamento do incidente decidir esta, após o que o processo deverá retornar ao órgão de origem para apreciação das demais matérias.

No mais, registro que o recurso de revista foi interposto na vigência da Lei n.º 13.015/2014. É tempestivo, está regular a representação processual e o preparo realizado nos termos da lei.

4.2.1 - CONHECIMENTO

A parte transcreveu nas razões do recurso de revista os seguintes fundamentos do acórdão do TRT, a fim de demonstrar o prequestionamento da matéria impugnada:

Por outro lado, assiste razão ao autor quanto ao intervalo intrajornada.

...

Reformo em parte para determinar o pagamento integral do intervalo intrajornada (1h) nos dias em que foi parcialmente suprimido.

...

A reclamada não se insurge contra a conclusão do juízo a quo de que, em algumas ocasiões, houve a supressão parcial do intervalo. Insiste, apenas, que as supressões constatadas foram de um ou dois minutos.

O intervalo intrajornada de uma hora, previsto no "caput" do artigo 71 da CLT, consiste no mínimo legal de intervalo para jornada superior a seis horas, que representa norma de saúde e segurança do trabalhador. Por isso, a norma legal não permite a sua redução, nem mesmo de poucos minutos. Para que seja devido o pagamento de horas extras basta que não tenha sido concedido integralmente o intervalo mínimo de uma hora. O disposto no artigo 58, §1º, da CLT e na Súmula 366 do C. TST aplica-se apenas quanto aos horários de início e término de jornada, e não para fins de intervalos.

No recurso de revista, a reclamada sustenta que a decisão do TRT viola o art. 58, § 1.º, da CLT, bem como contraria a Súmula n.º 366 do TST, que devem ser aplicados também às marcações do intervalo intrajornada. Argumenta que a autorização legal de desconsideração de poucos minutos decorre de fatores que fazem com que o empregado registre seu cartão de ponto com alguma diferença de tempo, como aguardar na fila para registrar o ponto, de modo que não fica caracterizada violação à saúde do trabalhador. Diz que quando se constata diferença de poucos minutos, não é cabível o deferimento de uma hora extra, pois isso seria uma premiação ao empregado que anotou 58 ou 59 minutos de intervalo, sem que a empresa tivesse se beneficiado de seus serviços. Diz que é uma questão de razoabilidade, proporcionalidade e equidade. Colaciona arestos.

Os paradigmas transcritos nas razões de revista autorizam o seu conhecimento, pois foi observada a Súmula n.º 337 do TST, e adotam tese divergente de que a redução do intervalo intrajornada em poucos minutos não enseja o pagamento de uma hora extra, aplicando-se por analogia a Súmula n.º 366 do TST, ou o art. 58, § 1.º, da CLT.

Conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial.

4.2.1 – MÉRITO

No Incidente de Recursos Repetitivos suscitado nestes autos, foi firmada a seguinte tese jurídica:

A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência.

Assim, dou provimento parcial ao recurso de revista para excluir da condenação o pagamento de uma hora extra decorrente da redução do intervalo intrajornada, nos dias em que essa redução foi de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo. Nos dias em que ultrapassado o limite de 5 (cinco) minutos, será devido o pagamento total da hora destinada ao intervalo intrajornada, e não apenas do tempo suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração, nos termos da Súmula n.º 437, I, do TST. Determina-se o retorno dos autos à 6.ª Turma deste Tribunal, a fim de que examine o agravo de instrumento em recurso de revista interposto pela reclamada.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho:

I – Por maioria, fixar a seguinte tese jurídica neste Incidente de Recursos Repetitivos, que trata de casos anteriores à Lei nº 13.467, de 2017: "A redução eventual e ínfima do intervalo intrajornada, assim considerada aquela de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo, decorrentes de pequenas variações de sua marcação nos controles de ponto, não atrai a incidência do artigo 71, § 4º, da CLT. A extrapolação desse limite acarreta as consequências jurídicas previstas na lei e na jurisprudência."

II – Por unanimidade, conhecer do recurso de revista no processo afetado TST-RR-1384-61.2012.5.04.0512 por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para, observada a proibição do reformatio in pejus,  limitar a condenação ao pagamento como extra dos minutos faltantes do intervalo intrajornada, nos dias em que a redução não ultrapassou 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo. Nos dias em que ultrapassado o limite de 5 (cinco) minutos, será devido o pagamento total da hora destinada ao intervalo intrajornada, e não apenas do tempo suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração, nos termos da Súmula n.º 437, I, do TST.

III – Por unanimidade, conhecer do recurso de revista no processo afetado TST-ARR-864-62.2013.5.09.0016 por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para excluir da condenação o pagamento de uma hora extra decorrente da redução do intervalo intrajornada, nos dias em que essa redução foi de até 5 (cinco) minutos no total, somados os do início e término do intervalo. Nos dias em que ultrapassado o limite de 5 (cinco) minutos, será devido o pagamento total da hora destinada ao intervalo intrajornada, e não apenas do tempo suprimido, com acréscimo de 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração, nos termos da Súmula n.º 437, I, do TST. Determina-se o retorno dos autos à 6.ª Turma deste Tribunal, a fim de que examine o agravo de instrumento em recurso de revista interposto pela reclamada.

Brasília, 25 de março de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora

 


[1] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal . 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. v3.  p 617-618.

[2] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Atualizações de José Augusto Rodrigues Pinto e Otávio Augusto Reis de Sousa. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 311-313

[3] RAMOS, Gisela Gondim. Princípios Jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012. pag. 153.

[4] EVENTUAL. in: DICIONÁRIO Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.  Objetiva, 2009.3. CD-ROM.

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